Repasso excelente dica de filme recebida do amigo e cinéfilo Aloisio Camelo.
Fonte: Folha.com - 23/01/2012 - 07h00
O ano do cometa
A família, essa suprema fraude burguesa. A família, o centro de todos os valores sagrados. Como é possível falar da "família" sem cair nos extremos ideológicos e dogmáticos?
Alexander Payne, um dos mais brilhantes diretores do novo cinema americano (lembrar "Sideways - Entre Umas e Outras"), conseguiu-o. O filme chama-se "Os Descendentes" e estreia essa semana no Brasil. Leitor, pela sua saúde, não perca.
É a história de Matt King (George Clooney), um advogado que vive no paraíso do Havaí. Só que o Havaí não é um paraíso para quem lá vive. É apenas como outro lugar qualquer: as mesmas canseiras, as mesmas rotinas, os mesmos problemas do paulistano, do lisboeta ou do londrino.
Divulgação |
Cena do filme 'Os Descendentes' |
Que o diga Matt: a mulher teve um acidente náutico que a deixou em coma profundo e irreversível; as filhas (duas) não respeitam a "autoridade" do pai. E depois existe um caso de infidelidade a pairar sobre a família e que não pode mais ser confrontado ou resolvido.
A juntar a tudo isso, Matt tem ainda que decidir: vender um pedaço de terra que pertence à família desde tempos imemoriais; ou tentar conservá-lo por mais uns anos e esperar que a descendência o receba com a mesma gratidão com que ele o recebeu.
"Os Descendentes" é um filme sobre heranças. Não apenas sobre as heranças físicas que passam de geração em geração. Payne escolheu as heranças emocionais, invisíveis, por vezes dolorosas, que passamos uns para os outros --da melhor forma que sabemos ou podemos.
E a família, longe das caricaturas ideológicas habituais (de esquerda ou de direita), é essa suprema contradição: a fonte da nossa dor e da nossa alegria, para usar as últimas palavras com que George Clooney, simplesmente soberbo, se despede da mulher.
Sim, o cinema americano já viu dias melhores. Mas "Os Descendentes" é esse dia melhor. Quem diria que 2012 seria o ano de um cometa?
João Pereira Coutinho, escritor português, é doutor em Ciência Política. É colunista do "Correio da Manhã", o maior diário português. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Record). Escreve às terças na "Ilustrada" e a cada duas semanas, às segundas, para a Folha.com.
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